24 de janeiro de 2015

O silêncio na Tailândia

Saímos de Bali, no dia 26 de dezembro, num vôo rumo a Kuala Lumpur. Como nosso vôo era bem cedinho, acabamos passando a noite no aeroporto. Chegamos em KL e fomos direto pra estação de trem tentar comprar uma passagem para a Tailândia, mas não tinha mais nenhum lugar disponível. Assim, só nos restou o bom e velho busão. Também não foi tão simples, estavam todos bem cheios, mas conseguimos nossos lugares. Só que o busão só sairia de noite e ficamos os dois mortos de cansados vagando por KL, ou melhor, comendo tranqueiras por KL! Mesmo cansados, foi muito interessante voltar pra cá. Nós nos sentimos locais, já sabíamos como funcionava a cidade, como utilizar o transporte público, etc. E pensar que tínhamos conhecido a cidade em tão pouco tempo e logo voltamos, no mínimo é interessante!
Passamos a noite no busão, que era até bem confortável, atravessamos a fronteira e depois pegamos mais um ônibus até nosso destino na Tailândia. A vila de Chaiya, fica ao sul do país próxima às ilhas Samui (Koh Samui, Koh Pagnan e Koh Tao) e fomos até Chaiya por um motivo muito especial: fazer um retiro de meditação de 10 dias em silêncio. O local escolhido é um mosteiro budista chamado Suan Mokk. Chegamos lá no final do dia 27, mas o retiro só começaria no dia 31, porém eles nos informaram que poderíamos ficar hospedados no mosteiro principal até o dia 31, quando iríamos para o setor internacional onde acontece o retiro. Até lá, você tem a opção de ficar no mosteiro principal e não é cobrado nada por isso. O mosteiro está localizado no meio da mata e é gostoso ficar passeando pela área. Eles possuem uma biblioteca onde você pode pegar emprestado alguns livros (a Dri aproveitou para ler bastante sobre a meditação e budismo, e o Manu para ler sobre a história do Buda). A parte ruim é que o dormitório feminino é separado do masculino e desde já fomos nos acostumando com a vida do mosteiro. Por outro lado, foi bom ficar ali uns dias pra descansar um pouco (a saga até chegar aqui foi grande e ficamos duas noites sem dormir direito). Foi interessante acompanhar o pessoal, que ia para o retiro, chegar aos pouquinhos (apesar de que a maioria chegou na véspera) e no dia 31 logo cedo nos transferimos para o setor internacional.
Como a experiência foi muito pessoal e muito diferente um do outro, separamos os relatos!

10 dias em silêncio para uma pessoa falante (versão da Dri)

Quem me conhece pessoalmente sabe que eu falo pelos cotovelos! Pra se ter uma ideia eu comecei a falar com 10 meses de idade e nunca mais parei (até então...)! Várias pessoas para quem eu tinha contado do retiro não acreditaram que eu ficaria 10 dias sem falar, e por incrível que pareça, e para surpresa geral, ficar sem falar não foi difícil. Confesso que em muitos momentos eu estava muito feliz em não abrir minha boca (principalmente quando o sino tocava às 4:00 da manhã) e passei a entender o ditado japonês que diz que "o silêncio vale ouro". E é verdade, ficar em silêncio nos faz olhar mais para nós mesmos e nos faz refletir sobre o que falar! Muitas vezes falamos antes mesmo de pensar (eu sou uma dessas pessoas que quando vejo, já falei), e o exercício de ficar sem falar é muito bom! O difícil mesmo foi a prática da meditação (confesso também que foi difícil ficar longe/perto do Manu esses dias), manter a mente quieta. Tudo o que eu não estava falando, eu estava pensando. Minha mente parecia trabalhar sem parar e toda hora eu tentava fazê-la ficar quietinha. E assim fui lutando com a mente durante os 4 primeiros dias.... Segui a risca o cronograma, tentava fazer a meditação direitinho e no quinto dia eu estava exausta! Meu corpo doía, minhas costas queimavam de dor, minha meditação não dava certo, foi difícil... A rotina no mosteiro também era super intensa, acordávamos às 4:00 da manhã, logo já tinha sessão de meditação, depois yoga, depois do café da manhã tínhamos atividades (como limpeza dos banheiros, varrer as folhas do caminho, dentre outras coisas). E nosso dia corria, com apenas duas refeições ao dia e várias atividades relacionadas à meditação. Tudo no mosteiro era muito simples: as camas eram mesas de madeira, só com uma esteira de bambu, o travesseiro era de madeira também. O banho era de caneca (tinham uns tanques de água nos banheiros onde você enchia uma bacia pequena e ia tomando banho) e tinha que vestir um sarongue (no meu caso eu usei minha canga de praia), não podia ficar pelada na frente das outras meninas. Mas tudo faz parte da reflexão, afinal o que realmente precisamos para viver? Você começa a perceber que consegue viver com muito menos do que imaginava (mas dormir numa caminha macia depois do retiro foi tudo de bom!).
Diria que os dias do meio (dia 5 e dia 6) foram os mais difíceis pra mim, mas depois eu relaxei um pouco e entendi melhor o processo da meditação. Por mais que eu escreva aqui, as palavras não são suficientes e as experiências são únicas, acredito também que cada vez que você faz o retiro é uma experiência diferente. Eu gostei muito, foi muito bom em todos os sentidos... Me deu muito o que pensar e refletir (acho que ainda estou refletindo sobre tudo o que vivi nesses 10 dias). Foi bom para meu relacionamento com o Manu e o retiro aconteceu em um momento especial de nossas vidas. Foi uma ótima maneira de começar o ano! É interessante dizer também que a experiência foi completamente diferente da minha expectativa. Antes de ir, eu li alguns livros sobre o Vipassana (que é o nome desse tipo de meditação) e confesso que achei que seria a solução de todos meus problemas! E claro, como minha expectativa estava alta, a realidade foi completamente diferente. Não foi decepcionante, de maneira nenhuma, mas foi diferente. Acho até que o processo vai continuar aqui comigo, e as mudanças ocorreram e vão continuar ocorrendo aos pouquinhos. Sem dúvida nenhuma eu quero fazer outro, não agora, acho que no momento sentirei a necessidade, mas num futuro voltarei ao Suan Mokk!

10 dias em silêncio (versão do Manu)

Devo começar dizendo que a experiência foi muito diferente do que eu imaginava que seria. Minha expectativa era de que ficaríamos em silencio, e portanto, com muito tempo livre para pensar, e refletir. Mas não foi nada disso. O programa é bastante intenso, e me vi bastante ocupado e concentrado nas atividades propostas do Suan Mokk desde as 4h00 am até às 9h30 pm. Mas o silêncio é necessário para cumprir a proposta do programa de concentração absoluta para as meditações. Sem isso, 160 pessoas juntas jamais conseguiriam sequer entender o propósito das atividades.
No meu caso os primeiros dias foram mais difíceis. A programação, baseada nos ensinamentos de Budha, foca no processo de medicação como forma de atingir a "iluminação" em uma tradução literal, e a consequente felicidade que advém dela. Até aí tudo bem. O problema é que os discursos começam dizendo que para se alcançar a felicidade plena, devemos nos desapegar das origens dos nossos problemas (também conhecido como "dukka" em pali, que é a língua original do budismo), e de tudo o que possa causar apego: obviamente, bebidas alcoólicas (o que já é suficiente para pensar 2 vezes sobre se eu almejo mesmo essa tal felicidade), cigarros e qualquer outros tipo de drogas; daí passa para os bens materiais, e depois para as próprias pessoas, pois segundo o budismo, nós passamos muito tempo preocupados com os amigos e a família, o que gera grande parte de nossos apegos e portanto, das nossas "tristezas". Foi no momento em que disseram que devíamos nos desapegar da família, depois de já terem falado da cerveja, que eu tive minha maior crise. Primeiro porque sem meu consentimento, haviam dito para a Dri que eu sou a origem dos problemas na vida dela (deve até ser verdade, mas não era para contarem a ela), e já a imaginei querendo o divórcio. E como devíamos permanecer em silêncio, eu não podia contra-argumentar. E esse é o segundo problema. Ouvir sem poder contra-argumentar, só poder ler livros liberados sem poder questionar abertamente, não ter acesso a qualquer outro tipo de informação que não liberada pelo mosteiro estava me cheirando a lavagem cerebral! E isso permanece assim até o dia 9. Creio eu que isso possa ter feito muitos dos 24 desistentes tomarem essa decisão. Apenas no último dia, durante o "Dahma talk" (sessão onde se ouve os ensinamentos budistas) fala-se sobre a aplicação prática do que aprendemos: No último e fatídico discurso do último dia, fala-se sobre o "caminho do meio" como eles mesmos chamam, e que nada mais é do que levar a vida de forma consciente. Comprar um carro? Ok. Mas pense antes se ele é realmente é necessário. E qual o tamanho deste?! E de quantos carros a sua família realmente precisa?! Será que um só não basta?! Lembre-se de que quanto mais carros, mais dinheiro para gasolina, mais trocas de óleo, mais idas ao mecânico, ao borracheiro, ao funileiro... Tudo aquilo de que você realmente não precisa, correto?! Há! Já tem mais gente além de mim se familiarizando, né?! A sua casa precisa realmente ter 859 metros quadrados?
É isso gente. No final, o que se tem como a busca da felicidade é nas palavras dos próprios monges, "ter controle sobre a sua vida, e não ser controlado por ela". Desta forma, talvez não escolhêssemos ter empregos tão estressantes, com chefe tão malas, ou tão longe da sua própria casa. Também há que se ter o cuidado de não ser hipócrita, e dizer que o dinheiro não traz felicidade. Isso também é besteira, e não faria parte do "caminho do meio" como eles dizem, e em ele, nenhuma das 160 pessoas que ali estavam poderiam viver a experiência. É importante dizer também, que na minha avaliação, o tal "caminho do meio"é muito relativo. Acredito que cada um deva definir o seu, afinal de contas nem todo mundo quer vivar monge budista, não é mesmo? Há quem goste de fato, pois conheço amigos assim, do seu emprego que lhe suga por 72 horas semanais; há quem não viva sem uma boa fungada no escarpamento de um carro. Enfim... Cabe a você encontrar o seu "middle path", e entender que cada indivíduo é diferente.
O grande problema, ao sair, é que percebi que vários dos que lá estavam já estavam voltando imediatamente para os seus velhos empregos, para as suas velhas casas, e para os seus velhos carros. O que os 10 dias em silencio, com apenas 2 refeições diárias, dormindo em uma mesa de madeira sem colchão, com um travesseiro duro, também de madeira, sendo acordado todos os dias às 4h00 da manhã para meditar (dinâmica com a qual, por mais incrível que pareça, a grande maioria acaba se acostumando nos últimos dias) ensinam é que para haja uma mudança de vida, é necessário uma espécie de tratamento de choque. Ou adota-se um novo padrão de vida assim se que decide por ela ou este novo padrão ficará sempre sendo postergado, pois as comodidades que se fazem disponíveis em nossas vidas são inumeráveis. E o que percebi é que a grande maioria, se não a totalidade das pessoas acabariam postergando a aplicação do que se ensinou.
Para mim, no final, ficou a experiência. Gostei muito de ter passado pelo processo pois reafirmou alguns conceitos que já tinha sobre o que espero da minha vida, e reformulou alguns poucos outros. Não sei se algum dia farei novamente um vipassana, mas os ventos dirão.

O refeitório.
Só se inicia a refeição após o último se sentar

 Hall de meditação #2. Local das aulas de "walking meditation"

 Encontre o "dukka"

Hall de meditação #5.
Ponto de vista do local de meditação do Manu

Dormitório padrão. Esse era do Manu (#413)
Com cama e travesseiro de madeira, e sem colchão

Banho de caneca mesmo.
E a vontade de pular dentro do tanque?

Pra matar a vontade de pular nos tanques, tem as "hot springs"
Quente mermo!!!

Material de trabalho entre das 8h30 às 10h00

Não esqueceremos deste sino tão cedo.
Tocando desde às 4h00 da manhã


"Middle path"

Lavando os pés antes de entrar em qualquer ambiente

3 comentários:

Luiz Antonio e Cristina disse...

Queridos filhos!
Gostamos muito de tudo que escrevem, mas este último post está incrível. Manu, minha contribuição p/ suas mudanças pós meditação será a de não voltar p/ seu velho carro, até porque ele está comigo e não devolvo kkkk.
Beijos..........Luiz e Cristina.

Dharmarider disse...

Pois é, Manu... tava esperando o seu relato à mão junto com o potinho de Tiger Balm mas não resisti em vir conferir o post sobre o retiro! :)
Fico feliz que vcs tenham sobrevivido bem aos 10 dias de Suan Mokkh, com o PLUS de terem chegado antes e tido a chance da interação no próprio mosteiro.
Pode até falar que "não sabe se fará um vipassana novamente", mas tenho a impressão que, ao abrir os olhos no meio de um retiro no futuro te verei se espreguiçando depois de uma sessão de meditação ;)

Metta,
De Vita, Angelo

Marina Moschetta disse...

Nao tinha lido esse post ainda, e vim ate aqui porque estou pensando em fazer o mesmo. Simplesmente adorei o relato de voces e me deu ainda mais vontade de experimentar! Depois conto como foi a minha experiencia! Beijos